O Desassossego

O desassossego que José me falou quando estive na casa dele, em Lisboa, me persegue.
Não exatamente o dele, que não é exato, que não pode ser exato… mas o meu, que nasceu lá e que também não tem forma, que também não descansa.
O que nós temos em comum, José e eu, quase nada, apenas eu concordo com o que ele fala. Ele diz que o que escreveu serve para desconsolar, para incomodar, para despertar o pensamento, que fatalmente inebria, empurra, aperta, desassossega.
Os dias passam, as semanas chegam, os anos se vão, e por aí buscamos a distância do desassossego, sem pensar nele, sem pensar em nada. A rotina preenche o tempo e o objetivo deverá ser ou estar sempre ao alcance das mãos. Mas, ainda assim, poderia ele caminhar ao nosso lado, o desassossego. Não como um inimigo, mas como um parceiro que incentiva, que desequilibra, que salta no abismo.
A enfrentá-lo, ao tentar resolvê-lo, ele cresce, nos engole. Mas não somos digeridos, somos lançados de volta à rua, à insônia, ao embrutecimento necessário para entendermos as questões da vida, as perguntas que ao invés de nos oferecerem respostas, suscitam novas dúvidas, novos incômodos.
Este desassossego não tem cara, e também não tem fim. Ao evitá-lo desprezando-o, fica-se preso a ele. Mesmo sem percebê-lo ele estará lá, inquietando o mais insensível dos homens que se permitir ao menos um minuto para observá-lo, senti-lo. Homens que gastam os seus dias com os casos comuns de trânsito, de dinheiro e convenções sociais que pensam controlar, e assim se tranquilizam com um sentimento de estabilidade e calmaria, ficam aterrorizados com o desassossego.
O outro homem, o desassossegado, que desassossega-se de propósito, procura entender as razões do mundo, dos homens, da filosofia, de Deus, e assim vive em constante movimento de busca, e isto o torna cada vez mais indócil, selvagem.
Mesmo os indóceis, mesmo os homens com olhos de Hemingway, olhos indomáveis, nem esses vencerão o desassossego. Mas esses caminharão livres de outras amarras, estas sim insuportáveis. Os grilhões que Platão se refere em sua República, que obriga os homens à imobilidade e à ignorância, são amarras que deixam as pessoas sem a possibilidade de se desassossegar. E este homem preso entende que toda sua vida, existência e pensamento, se resume à um mundo apequenado pelos limites dos seu olhos ou braços. Não permite que o pensamento dance como um Baryshnikov, ou voe livre como pardais.
Mil vezes o desassossego das perseguições sem sucesso das questões da vida, do que a imobilidade do conformismo bovino, diário, de sempre.
A liberdade de pensamento é condição do caminho do homem, já que só com ela haverá sabor, cor, tamanho, enfim… só com a liberdade de pensamento haverá caminho, pois sem ela não há vislumbramento de andar, de voar.
O mesmo José me disse em outra tarde, que às vezes, para se mudar uma vida é preciso uma vida inteira. Mas uma vida inteira de busca, de caminhadas… de desassossego.

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4 respostas para O Desassossego

  1. Marriet Garcia disse:

    Maravilhoso, bendito desassossego que nos impulsiona a vida.

  2. Alexandre de M Andrade disse:

    Marco, que maravilha de texto! Escrito com sensibilidade e inteligência – poesia e pensamento. Que seu desassossego o leve a escrever muitos outros textos. E que seus escritos desassossegados levem muita gente à reflexão! Parabéns pelo texto e pela iniciativa!

  3. Ivan Nasc disse:

    Muito Bom!!!
    Vou divulgar amigo.
    Grande abraço e fico à espera do próximo texto 🙂

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